por Manuca Ferreira — publicado 19/11/2014 15:55
Reprodução/Facebook
Rute, mãe de Davi, cobra declaração pública das principais autoridades do estado, entre elas, o secretário estadual de Segurança Pública, Maurício Barbosa, e o governador Jaques Wagner |
Na manhã do dia 24 de outubro, dois dias antes do segundo turno das eleições, o adolescente Davi Fiúza, 16, conversava com uma vizinha na porta de casa, no bairro de São Cristóvão, em Salvador, quando foi abordado por policiais durante uma operação. Em seguida, teve os pés amarrados, foi encapuzado e jogado no porta-malas de um carro, modelo Gol, cor prata. É o que conta sua mãe, Rute Fiúza, para quem essa história foi relatada por pessoas que presenciaram o episódio.
São Cristóvão é um bairro pobre de Salvador, próximo ao aeroporto internacional da capital baiana, por onde chegam milhões de turistas todos os anos. Davi, que morava com o pai e a madrasta em Periperi, outro bairro periférico de Salvador, é negro e havia retornado à cidade após uma viagem a Aracaju com a mãe, poucos dias antes do suposto sequestro cometido por policiais.
A possível participação de policiais está sendo investigada pela Corregedoria da Polícia Militar e pela Polícia Civil. O delegado Antônio Carlos Magalhães Santos, da 12.ª Delegacia de Salvador, disse a CartaCapital que a participação de membros da PM no desaparecimento do jovem não foi confirmada. Entretanto, ainda de acordo com ele, já foram identificados os policiais que estavam trabalhando no bairro naquele dia e estes devem ser escutados ainda esta semana. “Não estou dizendo que eles têm qualquer tipo de envolvimento. Quero deixar isso claro”, afirmou Santos. A PM não havia se manifestado até a publicação desta reportagem.
A mãe diz estar convencida de que foram policiais graças aos vários relatos de vizinhos. “(Uma testemunha) afirma até número de viatura. [...] É um descaso total aqui na Bahia. A verdade é essa. Um descaso total. Meu filho não é o primeiro não. Muitos casos estão acontecendo aqui na Bahia, infelizmente”, critica.
Dois casos recentes de violência policial tiveram muita repercussão no estado. Em 2010, o menino de nove anos, Joel Conceição Castro, negro assim como Davi, foi morto durante uma operação policial no complexo de favelas do Nordeste de Amaralina. O caso de Joel ficou conhecido nacionalmente por ele ter sido garoto-propaganda do governo do estado e ter sua história contada em um documentário produzido por Max Gaggino. Nove policiais foram denunciados pelo Ministério Público e até hoje nenhum foi condenado.
O outro caso, que ocorreu em agosto deste ano, teve lances de barbárie. Geovane Mascarenhas de Santana, de 22 anos, desapareceu após uma operação policial no bairro da Calçada. O pai da vítima, Jurandy Silva, obteve um vídeo que mostrou a abordagem violenta de policiais que o colocaram dentro de um carro após ter sido parado numa blitz de moto. O corpo de Geovane foi encontrado, 13 dias depois do desaparecimento, esquartejado, com partes dos membros espalhadas em pontos distintos da capital baiana.
Os policiais envolvidos, Cláudio Bonfim Borges, Jailson Gomes de Oliveira e Jesimiel da Silva Resende, das Rondas Especiais (Rondesp), Batalhão de Choque da PM baiana, foram soltos em outubro após terem cumprido 60 dias de prisão provisória. Dados divulgados pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública em seu 8.º Anuário de Segurança Pública mostram que a polícia deste estado foi a terceira que mais matou em 2013, logo atrás das polícias do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente no primeiro e segundo lugares. Foram 234 homicídios causados por policiais militares baianos no ano passado.
“A polícia daqui é muito arbitrária. É um genocídio, né? Eu me sinto numa ditadura disfarçada de democracia, como já dizia Cazuza”, critica Rute Fiúza.
Os dados da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública são questionados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). Em nota oficial, a SSP discorda da metodologia da ONG para aferir números de homicídios e investimentos na área de segurança pública. Ainda de acordo com a SSP baiana, foram pedidas algumas vezes para que o Ministério da Justiça estabeleça uma metodologia única para facilitar a identificação da situação da segurança pública nos estados e evitar distorções nas análises dos dados.
A mãe de Davi cobra ainda uma declaração pública das principais autoridades do estado, entre elas, o secretário estadual de Segurança Pública, Maurício Barbosa, e o governador Jaques Wagner. A família de Davi já fez diversas manifestações a fim de chamar a atenção dos governantes. Um tuitaço com as hashtags #cadedavi e #somostodosdavi foi realizado na última quinta-feira, 13, seguido de uma manifestação na frente da sede da SSP, na sexta-feira, 14. Mais uma manifestação será realizada nesta semana. Segundo a SSP, a família pediu uma audiência com o secretário, mas ele está em recesso e só retorna a Salvador na próxima quarta-feira, 19.
O caso remete ao desaparecimento de Amarildo Dias de Souza, 42, ajudante de pedreiro que desapareceu em julho de 2013, na Rocinha, após ter sido detido por policiais na porta de casa. Ele foi levado à UPP do bairro durante o que teria sido uma ação que envolveu 300 oficiais para prender suspeitos após um arrastão ocorrido ali perto e não foi mais visto. Logo seu desaparecimento tornou-se alvo de uma campanha iniciada em redes sociais, "Onde está o Amarildo?", que recebeu apoio público de diversos movimentos sociais, da sociedade civil e de artistas. Sua família foi, então, colocada no Programa de Proteção à Testemunha.
Além da decepção e da angústia da falta de informações, outra coisa tem tirado a tranquilidade de Rute. Ela e sua família foram ameaçadas desde que começaram a falar do provável envolvimento de policiais no desaparecimento de Davi. Isso levou a família a pedir à Secretaria estadual de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos a inclusão no Programa Nacional de Proteção à Vítima dos Direitos Humanos.
“Caso seja determinado pelo Conselho (Deliberativo do Programa de Proteção às Vítimas e Testemunhas Ameaçadas de Morte do Estado da Bahia, presidido pela SJCDH, formado pelo Ministério Público, Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa e representantes da sociedade civil), o ingresso da família na rede de proteção, o Governo do Estado tomará todas as medidas necessárias para garantir o direito de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas”, afirmou em nota a secretária estadual de Justiça, Ariselma Pereira.
“Tem muita gente mandando mensagem, muita ameaça, muita coisa [...] Eu não posso ficar calada quando tem 22 dias(completados na última sexta-feira) que ninguém me diz nada, o governo não me diz nada”, lamenta Rute Fiúza.
“As noites para mim são piores. Durante o dia ainda tenho esperança de encontrá-lo. Você não imagina os caminhos inimagináveis que eu já procurei meu filho”, afirma a mãe de Davi já com a voz embargada. Ela prossegue: “Aonde é que Davi está?”. Desta maneira, a mãe encerra a entrevista, ecoando o que a família e amigos têm perguntado nas diversas manifestações, enquanto esperam a resposta dos órgãos competentes, na esperança de que o desfecho desta história seja melhor do que os de Joel, Geovane e das outras 11.197 pessoas que, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram mortos pelas polícias brasileiras entre 2009 e 2013.
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