Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil
Uma em cada cinco mulheres com menos de 18 anos no mundo já foi
vítima de estupro ou abuso sexual. Os dados integram um raio X produzido
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para alertar sobre o fenômeno
da violência como um problema de saúde. O relatório traça a estimativa
com base em estudos feitos entre 2011 e 2015 e compila informações de
133 países. Segundo o informe da entidade das Nações Unidas, que na
semana passada aprovou um plano para combater a violência contra a
mulher até 2030, os governos precisam agir. "Mulheres violentadas tendem
a usar mais os serviços de saúde do que aquelas que não são abusadas,
ainda que elas raramente indiquem que são vítimas", diz o informe. "Com
muita frequência, instituições de saúde são lentas em reconhecer e lidar
com essa violência." A entidade aponta que uma em cada três mulheres já
"experimentou violência física e/ou sexual por parte de seus
parceiros". Além disso, 7% das mulheres foram alvo de violência sexual
por desconhecidos e 50% delas se envolveram em uma disputa física com
seus companheiros. Para os especialistas da OMS, os dados revelam o
caráter rotineiro da violência contra a mulher. "Trata-se de algo muito
comum e muito mais regular do que imaginamos", diz Berit Kieselbach, uma
das responsáveis pelo plano de enfrentamento da entidade. Ela diz ainda
que o fenômeno da violência contra a mulher não é novo. "O que é novo é
a capacidade de começar a coletar dados sobre o tema", explica. Berit
lembra que dezenas de países não têm sistemas para identificar causas de
mortes nem para medir a violência. Ao lado da estratégia para
identificar os autores de crimes, a OMS tenta lidar com o impacto para a
saúde, como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático, suicídios,
gravidez indesejada, resultados adversos nos bebês, transmissão de
infecções e aids. Professora do Departamento de Saúde Materno-Infantil
da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Carmen
Simone Grilo Diniz explica que, como preconiza a OMS, o abuso sexual
durante a infância e a adolescência implica problemas físicos e
psíquicos que podem perdurar para o resto da vida. "Uma experiência como
essa pode provocar quadros de estresse pós-traumático, depressão,
comportamento autoagressivo, além do risco de se contrair doenças
sexualmente transmissíveis", diz. Julia (nome fictício), de 24 anos, é
um exemplo de mulher que precisou de ajuda psicológica para superar os
traumas causados pelo abuso sexual. Aos 11 anos, ela se tornou uma
vítima e entrou nas estimativas. A jovem conta que foi abusada por um
funcionário da loja de seu tio, onde costumava ficar e brincar após as
aulas. Com a chegada do novo atendente de 19 anos, a garota pensara ter
ganhado um companheiro de brincadeiras. Todos os dias, jogavam forca e
jogo da velha, mas, quando o tio saía, uma regra era imposta. "Ele dizia
que, se eu perdesse, tinha de pagar uma prenda. E a prenda era me levar
para um canto da papelaria e passar a mão em mim, no meu corpo, na
minha vagina", conta. Ela sentia desconforto, mas era levada a acreditar
que tudo fazia parte da brincadeira. "Só fui perceber que era algo
muito errado quando contei para a minha mãe." Por um tempo, a jovem
pensou que não conseguiria mais se relacionar com ninguém, mas, com
acompanhamento psicológico, diz ter superado o problema. "O que eu sinto
hoje é raiva quando vejo outros casos de abuso, porque o homem sabe que
a criança não entende muito bem o que está acontecendo e se aproveita
desse poder", diz. De acordo com Marina Ganzarolli, advogada e
cofundadora da Rede Feminista de Juristas, se a maior parte dos casos de
abuso contra mulheres é praticada por conhecidos da vítima, no caso de
crianças e adolescentes, isso é ainda mais comum. "O chamado 'estupro de
beco', em que um estranho violenta uma mulher, é o menos frequente.
Geralmente, os abusos acontecem em espaços privados, cometidos por pais,
padrastos, tios, amigos da família", afirma ela, assim como aconteceu
com Julia.
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