Na luta contra a Aids, a informação salva vidas
Para vencer a epidemia até 2030, o governo quer ampliar diagnósticos e tratamento. Cerca de 20% dos portadores do HIV não sabem que estão infectados
por Rodrigo Martins —
Arthur Chioro durante lançamento de campanha para o Carnaval: distribuição de camisinhas e exames são os focos
Apenas durante o carnaval, 70 milhões de preservativos serão distribuídos gratuitamente em todos os estados, que já dispõem de um estoque de 50 milhões nos hospitais da rede pública. Nos aeroportos do Rio de Janeiro, Salvador e Recife, os principais destinos turísticos nessa época do ano, displays para a oferta de camisinhas estarão disponíveis nos banheiros femininos e masculinos. Na tentativa de reforçar a importância do sexo seguro, o Ministério da Saúde chegou a criar perfis falsos em aplicativos de paquera e encontros casuais, como Tinder e Hornet, este último voltado ao público gay. Em conversas, esses perfis fictícios se identificam como usuários em busca de sexo desprotegido e “sem frescura”. Após atrair interessados, vêm os alertas sobre o risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis pela conduta imprudente.
A inovadora estratégia foi anunciada pelo ministro da Saúde, Arthur Chioro, na segunda-feira 9. “O que mais preocupa são os jovens que assumiram uma prática sexual desprotegida apesar de saber os riscos”. Os resultados de uma recente pesquisa encomendada pelo governo federal são alarmantes: 94% da população sexualmente ativa está informada do fato de os preservativos serem a principal forma de prevenir a Aids, mas 45% admite não ter usado camisinha em todas as relações casuais. No levantamento, foram consultados 12 mil cidadãos entre 15 e 64 anos em 2013.
Responsável pelo Departamento de DSTs e Aids do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita reconhece: “A estratégia de prevenção com foco exclusivo na camisinha bateu no teto”. Não por acaso, as novas peças publicitárias destinadas ao tema trazem um apelo para a população realizar testes de HIV. “Continuamos destacando a importância do sexo seguro, tanto que os personagens aparecem com uma camisinha na mão. Mas o slogan agora é outro: ‘#partiuteste’, assim mesmo, com hashtag, em linguagem que dialoga com as novas tecnologias e a juventude. A ideia é aumentar o número de diagnósticos e iniciar o tratamento o quanto antes, uma forma de evitar novas infecções”.
A premissa parte de uma descoberta relativamente recente da Ciência. Testes clínicos realizados em mais de 1,7 mil casais de nove países demonstraram que o tratamento contra a Aids pode ser tão eficaz quanto os preservativos na prevenção da doença. Os antirretrovirais são capazes de suprimir a carga viral dos pacientes infectados ao ponto de reduzir a chance de transmissão do HIV para os seus parceiros em 96%. Iniciado quatro anos antes, o estudo foi eleito a descoberta do ano pela revista Science em 2011. Por conta da novidade, o Brasil decidiu oferecer o coquetel antiaids a todos os infectados, mesmo aqueles que ainda não apresentam sintomas. Até o fim de 2013, apenas os pacientes com algum comprometimento do sistema imunológico entravam em tratamento.
“Antes, seguíamos o protocolo da Organização Mundial da Saúde. Analisávamos os níveis de CD4, que medem a resposta imunológica. Somente quem tinha um patamar abaixo de 500 entrava em tratamento”, explica Mesquita. “Mudamos a política. Agora todo mundo com diagnóstico positivo recebe o coquetel, mesmo que o vírus esteja incubado. Pode não ter nenhum impacto sobre a defesa do organismo, mas o vírus está se multiplicando e há risco de transmissão a outras pessoas”. Um dos maiores desafios é superar a subnotificação. Dos 734 mil portadores do HIV existentes no Brasil, estima-se que 20% não sabem que têm a doença. Como a moléstia demora, em média, 10 anos para apresentar os primeiros sintomas, muitos infectados disseminam o vírus sem saber. Daí a importância de estimular os testes.
Em maio de 2014, durante um encontro na Cidade do México promovido pela Organização Pan-Americana da Saúde e pelo Programa Conjunto das Nações Unidas para a Aids (Unaids), o Brasil assumiu o compromisso de perseguir metas para aumentar as taxas de diagnóstico e tratamento. Até 2020, 90% dos infectados devem saber que carregam o vírus HIV. Destes, 90% precisam começar a tomar os antirretrovirais. Dos que entraram em tratamento, 90% devem ter a carga viral suprimida. As chamadas metas “90-90-90” também foram ratificadas pelas nações dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), durante a VI Conferência de Cúpula do bloco, realizada em julho do ano passado em Fortaleza.
“A expectativa é que esses objetivos sejam aceitos por toda a comunidade internacional. Com isso, visamos alcançar uma meta maior: acabar com a epidemia de Aids até 2030, como vislumbra a Unaids”, diz Mesquita. “Não é possível erradicar a doença, mas podemos acabar com os níveis epidêmicos”. Em fevereiro, o Itamaraty reuniu em Brasília especialistas dos Brics para o intercâmbio de estratégias de prevenção, além de buscar acordos de cooperação na indústria farmacêutica.
Além das campanhas publicitárias de estímulo à realização do exame de HIV, o Ministério da Saúde aguarda a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para disponibilizar testes rápidos em farmácias, uma forma de contornar um velho problema: a vergonha de muitas pessoas em procurar o diagnóstico em um posto de saúde. Como a epidemia é bastante concentrada em algumas populações (pessoas que usam de drogas, profissionais do sexo, gays, homens que fazem sexo com homens, travestis e transexuais), há uma forte aposta na estratégia do “peer education” (educação entre pares).
A inovadora estratégia foi anunciada pelo ministro da Saúde, Arthur Chioro, na segunda-feira 9. “O que mais preocupa são os jovens que assumiram uma prática sexual desprotegida apesar de saber os riscos”. Os resultados de uma recente pesquisa encomendada pelo governo federal são alarmantes: 94% da população sexualmente ativa está informada do fato de os preservativos serem a principal forma de prevenir a Aids, mas 45% admite não ter usado camisinha em todas as relações casuais. No levantamento, foram consultados 12 mil cidadãos entre 15 e 64 anos em 2013.
Responsável pelo Departamento de DSTs e Aids do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita reconhece: “A estratégia de prevenção com foco exclusivo na camisinha bateu no teto”. Não por acaso, as novas peças publicitárias destinadas ao tema trazem um apelo para a população realizar testes de HIV. “Continuamos destacando a importância do sexo seguro, tanto que os personagens aparecem com uma camisinha na mão. Mas o slogan agora é outro: ‘#partiuteste’, assim mesmo, com hashtag, em linguagem que dialoga com as novas tecnologias e a juventude. A ideia é aumentar o número de diagnósticos e iniciar o tratamento o quanto antes, uma forma de evitar novas infecções”.
A premissa parte de uma descoberta relativamente recente da Ciência. Testes clínicos realizados em mais de 1,7 mil casais de nove países demonstraram que o tratamento contra a Aids pode ser tão eficaz quanto os preservativos na prevenção da doença. Os antirretrovirais são capazes de suprimir a carga viral dos pacientes infectados ao ponto de reduzir a chance de transmissão do HIV para os seus parceiros em 96%. Iniciado quatro anos antes, o estudo foi eleito a descoberta do ano pela revista Science em 2011. Por conta da novidade, o Brasil decidiu oferecer o coquetel antiaids a todos os infectados, mesmo aqueles que ainda não apresentam sintomas. Até o fim de 2013, apenas os pacientes com algum comprometimento do sistema imunológico entravam em tratamento.
“Antes, seguíamos o protocolo da Organização Mundial da Saúde. Analisávamos os níveis de CD4, que medem a resposta imunológica. Somente quem tinha um patamar abaixo de 500 entrava em tratamento”, explica Mesquita. “Mudamos a política. Agora todo mundo com diagnóstico positivo recebe o coquetel, mesmo que o vírus esteja incubado. Pode não ter nenhum impacto sobre a defesa do organismo, mas o vírus está se multiplicando e há risco de transmissão a outras pessoas”. Um dos maiores desafios é superar a subnotificação. Dos 734 mil portadores do HIV existentes no Brasil, estima-se que 20% não sabem que têm a doença. Como a moléstia demora, em média, 10 anos para apresentar os primeiros sintomas, muitos infectados disseminam o vírus sem saber. Daí a importância de estimular os testes.
Em maio de 2014, durante um encontro na Cidade do México promovido pela Organização Pan-Americana da Saúde e pelo Programa Conjunto das Nações Unidas para a Aids (Unaids), o Brasil assumiu o compromisso de perseguir metas para aumentar as taxas de diagnóstico e tratamento. Até 2020, 90% dos infectados devem saber que carregam o vírus HIV. Destes, 90% precisam começar a tomar os antirretrovirais. Dos que entraram em tratamento, 90% devem ter a carga viral suprimida. As chamadas metas “90-90-90” também foram ratificadas pelas nações dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), durante a VI Conferência de Cúpula do bloco, realizada em julho do ano passado em Fortaleza.
“A expectativa é que esses objetivos sejam aceitos por toda a comunidade internacional. Com isso, visamos alcançar uma meta maior: acabar com a epidemia de Aids até 2030, como vislumbra a Unaids”, diz Mesquita. “Não é possível erradicar a doença, mas podemos acabar com os níveis epidêmicos”. Em fevereiro, o Itamaraty reuniu em Brasília especialistas dos Brics para o intercâmbio de estratégias de prevenção, além de buscar acordos de cooperação na indústria farmacêutica.
Além das campanhas publicitárias de estímulo à realização do exame de HIV, o Ministério da Saúde aguarda a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para disponibilizar testes rápidos em farmácias, uma forma de contornar um velho problema: a vergonha de muitas pessoas em procurar o diagnóstico em um posto de saúde. Como a epidemia é bastante concentrada em algumas populações (pessoas que usam de drogas, profissionais do sexo, gays, homens que fazem sexo com homens, travestis e transexuais), há uma forte aposta na estratégia do “peer education” (educação entre pares).
“Ninguém melhor do que uma pessoa que usa drogas para saber onde encontrar outras que fazem o mesmo e apresentar o teste. Por vezes, agentes de saúde não podem sequer passar na porta de alguns locais de consumo”, diz Mesquita. Atualmente, as ONGs que cuidam de pessoas que usam drogas, por exemplo, apresentam aos pares o teste rápido, feito com amostra da mucosa bucal e resultado em 15 minutos. Enquanto a taxa de detecção nos Centros de Testagem e Aconselhamento gira em torno de 1%, um positivo para cada cem exames realizados, o índice do programa Viva Melhor Sabendo, focado em populações-chave, é superior a 5%.
O governo também aposta na divulgação de outras formas de prevenção. Desde meados dos anos 1990, os profissionais da saúde dispõem de uma tecnologia para eliminar o HIV após acidentes com agulhas ou bisturis contaminados. Conhecido pela sigla PEP, o tratamento só é eficaz se iniciado até 72 horas após a exposição ao vírus, e demanda o uso de medicamentos por 28 dias. Está disponível à população em geral desde 2012 nos hospitais da rede pública, mas poucos conhecem a alternativa. Outra opção em estudo é o PREP, uma profilaxia pré-exposição. Para aumentar a segurança das relações sexuais, seria possível utilizar preventivamente a terapia antirretroviral, capaz de neutralizar o vírus HIV. A Fiocruz e a Faculdade de Medicina da USP realizam pesquisas para saber como seria a aceitação da novidade. Há o temor de jovens abandonarem a camisinha, quando o ideal seria o uso conjunto das duas técnicas.
No Brasil, a epidemia de Aids está estabilizada na faixa de 20 novos casos por ano a cada grupo de 100 mil habitantes. De 2003 a 2013, a taxa de mortalidade caiu de 6,4 óbitos por 100 mil habitantes para 5,7. O número de infecções na faixa etária entre 15 e 24 anos seguiu, porém, na direção contrária. Cresceu 32%. “A atual juventude é mais liberal, tem um número maior de parceiros eventuais. Ela sabe da importância da camisinha, mas nem sempre a usa. Esses jovens não vivenciaram o drama da epidemia da Aids nos anos 1980 e 1990, com a morte de vários ídolos da cultura, a exemplo de Freddie Mercury, Cazuza e Renato Russo”, comenta Mesquita. “Daí a necessidade de diversificar as estratégias. A aposta ‘caminhosinhocêntrica’ está perdendo a eficácia.”
Carta Capital
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